segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Como ensinar futebol

Resumo

Este artigo tem o objetivo de discutir uma proposta de sistematização do processo de ensino-aprendizagem no futebol, tendo como ponto de partida as experiências realizadas na escolinha de futebol da FEF-Unicamp.
Palavras chave: futebol; ensino; processo de ensino-aprendizagem.


Alcides Scaglia *

Introdução

Em minha monografia de final do curso de bacharelado em Educação Física em 1995, relatei as experiências realizadas na escolinha de futebol da FEF-Unicamp. Este relato foi publicado pela revista Motriz, organizada pela Faculdade de Educação Física da Unesp - Rio Claro[1] e, posteriormente, transformou-se em um dos capítulos do livro 'Pedagogia dos esportes', publicado pela editora Papirus e organizado pela professora doutora Vilma Nista Picollo. Vale destacar ainda que este projeto ultrapassou os limites da universidade e foi aplicado com enorme sucesso no Grêmio Recreativo, clube da cidade de Rio Claro - SP[2]. A escolinha de futebol da FEF-Unicamp foi um projeto idealizado, orientado e coordenado pelo profesor doutor João Batista Freire, em que se deu início à elaboração de uma pedagogia que procura ensinar as crianças a jogar futebol através de brincadeiras resgatadas da cultura infantil e adaptadas. Mas, antes de nos aprofundarmos nos métodos desenvolvidos é preciso observar alguns princípios pedagógicos que regeram todo o trabalho. Dividimos os princípios em três conjuntos: - O primeiro conjunto de princípios está ligado aos atributos que regem um processo de ensino aprendizagem coerente e adequado, ou seja, o futebol entendido em seu processo e não como um produto; um trabalho que não tenha como finalidade a descoberta de talentos; a não cobrança de resultados e a não preocupação com a formação de equipes invencíveis, como fator relevante e avaliador do trabalho desenvolvido. Gerar uma organização para que o aluno pegue mais vezes na bola, ou seja, tenha muito contato com a bola durante a aula, buscando, evitar as grandes filas de espera da vez de jogar; possibilitar oportunidades diferenciadas para que eles saibam se auto-organizar; estimular a construção de regras estabelecidas por eles mesmos, ou seja, os alunos serem regidos por suas regras, elaboradas à medida das necessidades durante a aula. O segundo conjunto de princípios procura se ater na determinação das características relevantes específicas de uma metodologia de trabalho. Portanto, preocupa-se com: - a organização das turmas, de maneira adequada à faixa etária e nível de desenvolvimento; a divisão das turmas, de forma a possibilitar um desenvolvimento harmônico e global das crianças, atentando-se sempre aos seus aspectos cognitivos, afetivos (sociais), sensitivos e motores; aumentar gradativamente as situações propostas aos alunos, ou seja, brincadeiras oferecidas às crianças devem ser alteradas em função do nível de dificuldade; possibilitar que as crianças pensem sua própria ação, pois, pensá-las proporciona a assimilação e desenvolve o seu conhecimento crítico; não realizar atividades, que se resumem na prática pela prática, com explicações é possível situar o aluno no contexto em que a atividade é executada. O aluno, inserido neste processo, compreende o seu fazer, atuando como um agente criador e transformador de seu conhecimento. Já o terceiro conjunto de princípios determina a importância de se considerar como bagagem a cultura motora que a criança já traz consigo. Um dos instrumentos adotados para aprendizagem mais significativa no futebol é a utilização desta cultura infantil. Para isso, procura-se sempre resgatá-la, adaptando brincadeiras infantis, adequando-as aos componentes do futebol. Possibilitar uma certa liberdade de expressão no transcorrer do processo de ensino-aprendizagem do futebol. Outras preocupações pedagógicas, que geram diferentes procedimentos metodológicos, são assumidas no tocante as medidas dos campos, redução do tamanho dos gols, peso das bolas, número de jogadores durante os jogos, competições especiais, regras adaptadas... 'As posições por nós sustentadas conduzem à idéia de que, no ensino do futebol, deve propor-se ao principiante um jogo acessível, isto é, com regras ajustadas, com números de jogadores e espaços adequados, de modo a permitir a continuidade das ações, o domínio perceptivo do espaço, uma freqüente participação dos jogadores e variadas possibilidades de finalização'[3] Portanto, procuramos criar situações onde adequamos os jogos à realidade possível dos alunos. Estas situações se concretizam, por exemplo, na diminuição do tamanho do campo, ficando bola e alunos mais próximos em menor espaço; diminui-se o números de jogadores para que durante o jogo estes possam entrar em contato mais vezes com a bola; o gol é reduzido a um tamanho proporcional ao das crianças; o peso da bola dever ser menor nos iniciantes e ganhar peso conforme os alunos adquirem idade; as competições não se preocupam com o resultado em si, mas sim com a motivação dos alunos, sendo, portanto, campeonatos especiais que visam oferecer oportunidade à todos os alunos de participarem. Estas competições podem assumir um ar de gincana, onde além do jogo principal, que assume determinado número de pontos, outras atividades, já realizadas em aulas, podem ser utilizadas para acrescentar pontos à disputa. Com isto, mais alunos podem participar do contexto competição, sem a sua 'sobrecarga negativa' [4]. Não podemos deixar de destacar a importância de uma boa relação professor-aluno para o desenvolvimento de todos estes princípios, pois o educador deve proporcionar ao aluno o aprendizado de um conhecimento que, segundo Snyders, traduz-se na busca da alegria. Para que esta relação proporcione alegria é necessário que seja vivida com gravidade e profundidade, ou seja, com amor e dedicação, pois o professor não se encontra à parte, sentado em sua nuvem; ele revive os sentimentos e as aspirações dos alunos como se fossem as dele.[5] O universo da aula Para o desenvolvimento das aulas os professores tem à sua disposição, bolas de diferentes pesos e tamanhos, bolas de borracha, arcos, cones, cordas, e também alguns materiais que são confeccionados pelos próprios alunos, como: bolas de meia de vários tamanhos, alvos de latas, cones de refrigerantes descartáveis, entre outros que surgem da criatividade dos professores e alunos. Adentrando-se no seu universo, nota-se que este se dividi em 5 partes:

* Conversa inicial;
* Exploração do tema, através da ludicidade;
* Exploração do tema, por meio de um jogo-adaptado;
* Síntese do tema, com um jogo formal;
* Conversa final.

A aula sempre começa e termina com uma conversa, onde, no começo, estimula-se o aluno a recordar o tema e as atividades da aula anterior, para depois explicar o tema da aula atual, possibilitando que o aluno perceba, buscando uma conscientização da seqüência de seu aprendizado. A conversa final gira em torno dos acontecimentos da aula, desenvolvimento das brincadeiras e possíveis problemas que possam ter surgido no transcorrer da mesma, como por exemplo uma briga, uma falta, etc. Mas nada impede que no meio da aula, frente a um problema ou dúvida, o professor reúna os alunos para maiores explicações. A exploração do tema, através do lúdico, é o momento onde o aluno tem a oportunidade de descoberta, de criação em cima da temática da aula, ou seja, através de uma brincadeira adaptada, a criança usa de seu repertório motor para aprender, desenvolver, criar, descobrir um novo movimento que será utilizado na prática do futebol. Por exemplo, a brincadeira de 'mãe da rua', realizada com a bola nos pés, estará permitindo que o aluno desenvolva uma habilidade específica do futebol, a condução de bola, de uma forma mais alegre, mais livre. Já a exploração do tema através do jogo adaptado, nada mais é do que se criar condições dentro de um jogo, que possibilite a execução da habilidade do futebol, tema da aula, de forma mais próxima à exigida numa situação real de jogo. Para uma melhor compreensão reportamo-nos às palavras de Garganta: 'As estratégias mais adequadas para ensinar os jogos desportivos coletivos passam por interessar o praticante, recorrendo a formas jogadas motivantes, implicando-o em situações problema que contenham as características fundamentais do jogo.'[6] Para ilustrar nossas idéias, utilizemo-nos por exemplo, como tema de aula, a condução. Para desenvolvê-lo trabalhamos com um jogo de marcação individual, onde é determinado que um aluno só poderá desarmar, tirar a bola de um único outro aluno; com isso, estamos criando possibilidades dentro do jogo para o aluno conduzir mais a bola numa situação real. Muitas vezes o marcador pode estar desatento, ou encontrar-se distante, o que permite que o aluno conduza a bola para mais perto do objetivo concreto do jogo, o gol. Através desta ilustração, temos uma situação criada para estimular a utilização de um fundamento específico, sem descaracterizar o jogo e o próprio fundamento, ou seja, o tema da aula está sendo trabalhado numa visão de todo, e não fragmentando suas partes para o aprimoramento técnico, descontextualizado até da motivação dos praticantes. O jogo, propriamente dito, é o momento onde o aluno se utiliza de tudo o que foi aprendido na aula, somado ao seus conhecimentos já assimilados e os aplicam numa situação formal de prática do jogo de futebol. Portanto, constitui-se numa oportunidade de síntese do tema e por conseqüência avaliação da aula. É neste momento de jogo que a criança extravasa as suas vontades, liberta suas fantasias, seus inocentes desejos...,e demonstra, pelo seu comportamento, a assimilação do que foi proposto. Como pode-se notar, todo o desenvolvimento da aula gira em torno de temas, que são determinados segundo uma sistematização prévia dos conteúdos do futebol, adequada para os diferentes grupos etários.[7] Esta sistematização dos conteúdos do futebol estrutura-se em três partes:

1 - Fundamentos básicos;
2 - Fundamentos derivados;
3 - Fundamentos táticos específicos.

Os fundamentos básicos são aqueles principais, que caracterizam o jogo. Sem eles, o jogo não acontece e com um bom domínio deles, uma base sólida é construída para alicerçar todo um aprendizado posterior:

* Passe;
* Domínio de bola;
* Condução;
* Drible;
* Chute;
* Desarme;
* Cabeceio.

Os fundamentos derivados são, como o próprio nome diz, provenientes dos fundamentos básico, ou seja, faz-se necessário adquirir um certo domínio do primeiro para se ter um bom aprendizado e desenvolvimento do segundo. Por exemplo, o lançamento caracteriza-se como um passe longo, portanto, primeiro é preciso dominar o fundamento passe, para depois conseguir realizar um bom lançamento, ou melhor, compreendê-lo enquanto necessidade eminente numa determinada situação do jogo. São eles:

* Cruzamentos;
* Cobranças de faltas;
* Cobranças de pênaltis;
* Lançamentos;
* Tabelinhas;

Os fundamentos táticos específicos, nada mais são que as posições táticas do jogadores, suas funções e características próprias que as distinguem, bem como as estratégias mais utilizadas atualmente. Para aqueles que são leigos as posições táticas dos jogadores do futebol, deve-se entender que : o goleiro é aquele, onde, através do uso de todo o seu corpo, inclusive as mãos, tem por função impedir que a bola entre no gol; os laterais são os jogadores defensivos que jogam pelas laterais do campo; os alas atuam na mesma posição que os laterais, só se diferem pelas características ofensivas que assumem no decorrer do jogo; zagueiros são os jogadores defensivos que se posicionam mais ao centro da retaguarda; o líbero é o jogador que na maioria das vezes se posiciona como o último homem defensivo, mas que em determinados momentos do jogo aparece como um elemento surpresa no ataque; médio-volante é o jogador que atua no meio campo e que tem por função desarmar as jogadas do time adversário bem como cobrir o apoio da defesa; os meio-campistas são os jogadores que têm por função armar as jogadas ofensivas do time, mas, atualmente, também ajudam na marcação; os atacantes são aqueles que tem por objetivo marcar os gols, tendo apenas características ofensivas; os ponteiros são atacantes que atuam pelas pontas. As estratégias são os esquemas táticos adotados pelos treinadores, como por exemplo o 4-3-3, que nada mais é do que 4 jogadores na defesa, 3 jogadores no meio campo e 3 jogadores no ataque. Logo, eram as posições e os sistemas táticos que proporcionavam temas geradores para a organização das aulas:

* Goleiro;
* Laterais;
* Alas;
* Zagueiros;
* Líberos;
* Médio volantes;
* Meio campistas;
* Atacantes;
* Táticas/estratégia

Estes fundamentos, conteúdos de ensino, são divididos e organizados em uma seqüência pedagógica, atenta às diferentes faixas etárias.[8] Os fundamentos básicos do futebol começam a ser trabalhados aos sete anos, mas seu aprendizado não tem um fim em si mesmo, ou seja, tornam-se meios para a aquisição e ampliação do vocabulário motor das crianças. A ênfase do trabalho, nesta faixa etária, paira sobre a exploração das habilidades motoras. Faz-se de fundamental importância, não somente nesta idade, mas em todas, a aquisição de um considerável acervo motor, para que a criança tenha a possibilidade de realizar vários movimentos, tendo um controle sobre eles, em variadas situações e não em uma especificamente. Em cada aula são trabalhados dois temas básicos (fundamentos), um retomando a aula anterior. E também, não podemos perder de vista a idéia do todo, utilizamos os dois temas não para fragmentar o todo, mas simplesmente para direcionar e organizar a aula, como já discutimos anteriormente. Já aos 9/10 anos estes fundamentos básicos começam a tomar características de fim, com isso uma ênfase maior é dada para a execução destes, o que não ocorria em idades menores. É momento de concretizar a assimilação dos fundamentos básico. Seguindo uma seqüência pedagógica preestabelecida, procura-se desenvolver os fundamentos básicos do futebol, ou seja, têm-se uma maior preocupação com o aprimoramento e desenvolvimento destes, que alicerçados ao acervo motor adquirido, possibilitam a construção das características básicas para o futebol. Também dois temas são trabalhados por aula, somente que, neste momento o desenvolvimento das habilidades motoras se dá integrado aos fundamentos enfatizados na aula, ou seja, começa-se o aprendizado e desenvolvimento de habilidades que são mais especificas para o futebol. Nota-se uma grande preocupação em sempre retomar o tema da aula anterior na subsequente, em todas as turmas, para que o conteúdo seja desenvolvido de forma espiralada. É aos 11/12 anos, com uma base sólida construída e uma bagagem motora desenvolvida, a preocupação se volta para o aprimoramento e desenvolvimento dos fundamentos derivados. Na etapa anterior foi-se trabalhado os fundamentos mais simples, básicos, para que se pudesse nessa se desenvolver os fundamentos que se constituem como secundários, derivados dos básicos. Por exemplo, temos o lançamento, que nada mais é que um passe longo, ou seja, uma forma específica de passe, portanto, se a criança tiver aprendido bem o passe ela poderá desenvolver, de forma mais natural o lançamento. O mesmo acontece com a cobrança de falta que é forma específica de chute. Não se faz interessante para qualquer processo de ensino-aprendizagem que se parta do complexo (lançamento) para o simples (passe), pois, seria como ensinar primeiro uma criança correr para depois ensiná-la a andar[9]. Aos 13/14 anos a ênfase é dada para o aprendizado do posicionamento tático/estratégico e das posições dos jogadores durante o jogo. Depois de adquirida toda uma bagagem motora e dos fundamentos, é chegado o momento de se localizar dentro do contexto do jogo, aprendendo a usar cada fundamento de acordo com as exigências de cada posição. Os temas das aulas são as posições dos jogadores no jogo. Cada jogador desempenha uma função específica dentro do contexto global do jogo. Com isso, em uma aula onde o seu tema é 'laterais', as funções dos laterais devem ser ensinadas para os alunos, desde o local onde eles jogam até a suas funções dentro do desenvolvimento dos esquemas táticos mais utilizados atualmente pelo futebol moderno. Portanto, na aula de 'laterais' serão trabalhados os fundamentos que são mais utilizados pelos jogadores desta posição durante o jogo, ou seja, cada posição delega funções ao jogador, e este, para cumpri-las, se vale mais de alguns fundamentos do que de outros, por exemplo, os laterais se utilizam mais da condução de bola, cruzamento e desarme; não obstante, sabe-se que o jogador se valerá de todos os fundamentos durante uma partida de futebol. Depois de contextulizadas todas as posições e suas funções, com os alunos vivenciado todas, eles terão a oportunidade de escolher em qual posição pretendem jogar, segundo o seu gosto e seu desempenho em cada uma, acabando assim, com a determinação e imposição das posições segundo critérios físicos, pois é muito comum uma certa imposição ao aluno para que este jogue em determinada posição de acordo com seus atributos físicos: se é grande, deve ser goleiro ou zagueiro, se é baixo e rápido deve ser ponteiro etc. Isto impede o aluno de vivenciar as outras posições e também de escolher qual gosta mais. Não se quer aqui negar que cada posição tem suas peculiaridades, que podem exigir determinadas qualidades físicas para um melhor desempenho na mesma, mas sim, está se querendo dar a oportunidade de escolha a cada aluno, pois nem todos virão a se especializar no futebol e com isso, nada impede que um aluno baixo e rápido venha desempenhar as funções de um zagueiro, se é esta a posição que ele mais gosta de jogar. Após se ter percorrido todo este caminho e o aluno ter adquirido toda esta bagagem motora e técnica, ele terá a oportunidade, a liberdade e a possibilidade de se especializar no futebol. Ao final do processo de ensino-aprendizagem o aluno tem o livre arbítrio para escolher qual o caminho a seguir, se o do esporte (futebol) performance, ou esporte (futebol) participação, tendo por base o esporte (futebol) educação vivenciado, aprendido e desenvolvido na 'escolinha de futebol'. Esporte participação porque possibilitou a aprendizagem do futebol para todos, em todos os níveis; esporte educação, pois acreditou e oportunizou a transmissão de valores educativos através do futebol; esporte performance porque, após percorrido todo o processo de ensino-aprendizagem, tem-se a possibilidade de buscar uma especialização que levará o aluno ao encalço do alto rendimento, pois não se pode negar esta oportunidade aos que se dedicam e se sobressaem.[10]

Considerações finais

Ao final, nota-se que o trabalho em uma escola de futebol procura visar especificamente, além do desenvolvimento e aprendizado da modalidade esportiva em questão, a aquisição de hábitos e condutas motoras (ampliando-se o repertório motor) e o entendimento do esporte como um fator cultural (humano), estimulando sentimentos de solidariedade, cooperação, autonomia e criatividade, salvaguardando-se a orientação por profissionais qualificados, e não se preocupando com o resultado imediato, deixando este momento para posteridade, quando se dará início a formação de atletas, através de treinamentos mais específicos. Portanto, a iniciação esportiva necessita ser, na teoria e prática, um exercício humanamente criador e responsável, que, regido por uma pedagogia própria, transmita muito mais que o aprendizado de gestos técnico-esportivos. Valores éticos, sociais e morais devem ser ensinados através das várias possibilidades que o conceito de esporte abrange, para que se possa fazer do educando um ser agente e transformador do seu tempo, preocupado com uma cidadania que lhe permita viver bem em qualquer que seja o caminho do esporte escolhido por ele a seguir.[11] Faz-se imprescindível que no universo de abrangência das escolas de futebol, tenha-se espaço para a Educação, a Pedagogia, a Iniciação, a Competição e o Futebol, pois, é através de trabalhos práticos respaldados por teorias aplicadas, que podem vir a confirmar a importância deste esporte global. Mas, cientes dos limites, procurou-se, no transcorrer do texto, apresentar um estudo que ultrapassou os limites das bibliotecas e ganhou vida, contribuindo para a construção de uma pedagogia de esporte, e, também, possibilitar um momento de reflexão a todos os profissionais envolvidos direta ou indiretamente com a iniciação esportiva e em especial com o ensino do futebol.

Notas

[1] SCAGLIA, A. J. 'Escolinha de futebol: uma questão pedagógica'. Motriz. Revista de Educação Física - UNESP - Rio Claro, v.2, n.1, p. 36-42, 1996.
[2] Isto pode ser conferido no livro organizado pela Prof. Dra. Vilma Nista Piccolo, intitulado 'Pedagogia dos esportes', onde um dos capítulos é destinado ao relato destas experiências. NISTA PICCOLO, V. op. cit., 1999.
[3] Júlio GARGANTA e Jorge PINTO, 'O ensino do futebol', p. 133, 1995.
[4] Sobrecarga negativa deve se entendida como por exemplo, um erro do aluno no jogo, determinando a derrota do seu time, acarretando um problema interior e exterior para esse; mas com a realização de um certo número de atividades que também valem pontos a expressão do erro é diluída, pois, talvez mesmo perdendo o jogo o time pode vencer em número de pontos.
[5] Georges SNYDERS, 'Alunos felizes', p. 87, 1993.
[6] Júlio Garganta, 'Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos', p. 18, 1995.
[7] Este estudo de sistematização dos fundamentos do futebol foi elaborado sob a supervisão e orientação do Prof. Dr. João Batista Freire, em trabalho realizado junto a escolinha de futebol da Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
[8] Alcides José SCAGLIA, 'Escolinha de futebol: uma questão pedagógica', p. 40,1996.
[9] Vale destacar que, a todo momento, os fundamentos básicos são consolidados; a criança não deixa de lado o passe, o drible, o desarme, para especializar-se no lançamento, cruzamento... Com o amadurecimento físico e cognitivo o aluno tem a possibilidade de compreender melhor o jogo e, assim, otimizar a utilização desses fundamentos essenciais ao jogo.
[10] Alcides José SCAGLIA, op. cit., p. 41, 1996.
[11] Alcides José SCAGLIA, 'Escolas de esportes: uma questão pedagógica'. Campinas, 1995. Monografia (de final de curso) - Faculdade de Educação Física, UNICAMP, p. 89, 1995.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Futebol de Rua

Futebol de Rua – Luí­s Fernando Verí­ssimo

* Escrito por pescuma
* Português
* 15 dezembro 2007


Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora. Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:

DA BOLA – A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No caso de se usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente, recomenda-se jogar de sapatos. De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez da bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maça, o chuchu e a pêra. Desaconselha-se o uso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.

DAS GOLEIRAS – As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o que estiver à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu irmão menor, e até o seu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para agüentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.

DO CAMPO – O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua, calçada, rua e a calçada do outro lado e – nos clássicos – o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.

DA DURAÇÃO DO JOGO – Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.

DA FORMAÇÃO DOS TIMES – O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.

DO JUIZ – Não tem juiz.

DAS INTERRUPÇÕES – No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada numa destas eventualidades:
a) Se a bola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.
b) Se a bola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isto não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola. Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.
c) Quando passarem pela calçada:
1) Pessoas idosas ou com defeitos físicos.
2) Senhoras grávidas ou com crianças de colo.
3) Aquele mulherão do 701 que nunca usa sutiã.
Se o jogo estiver empate em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.
d) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.

DAS SUBSTITUIÇÕES – Só são permitidas substituições:
a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a lição.
b) Em caso de atropelamento.

DO INTERVALO PARA DESCANSO – Você deve estar brincando.

DA TÁTICA – Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol de Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a
pelada ), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina é córner.

DAS PENALIDADES – A única falta prevista nas regras do futebol de rua é atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.

DA JUSTIÇA ESPORTIVA – Os casos de litígio serão resolvidos no tapa.

Analítico sintético X Global funcional

Iniciação ao futsal: as crianças jogam
para aprender ou aprendem para jogar?

Especialista em futsal pela
Universidade Norte do Paraná UNOPAR (PR)
**Docente CCBS, UNOPAR.
Doutorando em educação física, UNICAMP (SP)
Fabiano Soares Pinto*
Wilton Carlos de Santana**
wilton@pedagogiadofutsal.com.br
(Brasil)
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 85 - Junio de 2005

Resumo

Procurou identificar, entre dois princípios metodológicos clássicos analítico-sintético e global-funcional qual o mais utilizado em aulas de futsal para crianças de sete e oito anos de idade. O cenário da investigação foram quatro escolas especializadas em Santa Maria (RS). Utilizou-se a técnica de observação não-participante. Observaram-se oito aulas e descobriu-se que o princípio analítico-sintético foi o único utilizado. Concluiu-se que a crença pedagógica dessas escolas é a de que as crianças aprenderão futsal praticando séries de exercícios, o que, de um lado, contribui para que aquelas se desenvolvam tecnicamente, mas, de outro lado, lhes compromete a inteligência tática.
Unitermos: Futsal. Ensino. Infância. Metodologia. Método.

Abstract

This study has attempted to identify which methodological classical principles - the analytical-synthetic and the global-functional have been mostly used in futsal lessons for children at the age of seven and eight years old. The setting for investigation were four specialized schools in Santa Maria (RS). The technique used was the one of non-participative observation. Eight lessons were observed and it has been noticed that the analytical-synthetic principle was the only one used. It was concluded that the pedagogical belief of such schools is the one that understands that children will learn futsal by practising a series of exercises, which, on the one hand contributes to the technical development of such children, but on the other hand, compromises their tactical inteligence.
Keywords: Futsal. Teaching. Childhood. Methodology. Method

Introdução

O futsal, esporte que surgiu da fusão entre o futebol de salão e o futebol cinco, isso no final da década de 80 do século XX (SANTANA, 2002a), desenvolveu-se substancialmente nos últimos dez, doze anos. Muito disso, deve-se às significativas alterações ocorridas nas suas regras. Estas teriam feito do futsal, em comparado ao futebol de salão, um esporte mais dinâmico, competitivo e atraente.
Em particular, há indícios de que as crianças brasileiras constituem grande parte dos que praticam futsal. Isso pode ser entendido, em parte, se considerarmos o processo de urbanização de boa parte das cidades brasileiras (FREIRE, 2003), que fez com que possíveis locais onde as crianças brincavam e jogavam as suas primeiras "peladas" dessem lugar a complexos residenciais e comerciais. Logo, crianças (pelo menos aquelas que vivem em grandes cidades) encontram nas quadras de futsal de escolas, clubes, condomínios e associações possíveis espaços para, orientadas por professores, "jogar bola".

Nesse contexto, de popularidade do futsal, destacam-se em geral as questões pedagógicas e em particular as metodológicas (como ensinar). Voser e Giusti (2002, p. 13) ratificam essa assertiva ao explicarem que "[...] o fenômeno esportivo infantil tem sido neste início de século, motivo de muitos estudos e questionamentos tanto no que diz respeito aos seus ideários como em relação à sua função pedagógica". É nessa direção que caminha nosso estudo: optamos em investigar, dentre dois princípios metodológicos clássicos e antagônicos o analítico-sintético e o global-funcional (DIETRICH, DURRWACHTER e SCHALLER, 1984) , qual o mais freqüentemente utilizado por professores de educação física para ensinar futsal. A pergunta central que procuramos responder foi se "as crianças jogam para aprender (princípio global) ou aprendem para jogar (princípio analítico)?". Na seqüência, explicaremos ambos, iniciando por este último.

O princípio analítico-sintético

Quando falamos em métodos parciais, métodos analíticos, exercício por partes, atividades centradas na técnica, geralmente estamos considerando o princípio analítico- sintético. Reis (1994, p. 9), o define como "[...] aquele em que o professor parte dos fundamentos, como partes isoladas, e somente após o domínio de cada um dos fundamentos o jogo propriamente dito é desenvolvido".
O princípio analítico apresenta a série de exercícios como medida metodológica principal (DIETRICH, DURRWACHTER e SCHALLER, 1984). Esse modelo surgiu, primeiramente, nos esportes individuais. É, particularmente, representado pelo método parcial e assume várias definições que apontam para um mesmo ponto: as habilidades são treinadas fora do contexto de jogo para que, depois, possam ser transferidas para as situações de jogo.
De acordo com Dietrich, Durrwachter e Schaller (1984, p.17), "Os representantes desse método partem do princípio que a divisão corrente do jogo em 'técnica', 'tática' e 'treino' deve também determinar a metodologia". Esse método pode ser considerado como "exato", por sua preocupação demasiada com os detalhes de cada fundamento. Greco (1998, p.41), explica que, nesse método O aluno conhece, em primeiro lugar, os componentes técnicos do jogo através da repetição de exercícios de cada fundamento técnico, os quais são logo acoplados a série de exercícios, cada vez mais complexos e mais difíceis; à medida que a ajuda e a facilitação diminuem, gradativamente aumenta a complexibilidade e a dificuldade das ações. À medida que o aluno passa a dominar melhor cada exercício, passa a praticar uma nova seqüência. Estes movimentos já dominados passam a ser integrado em um contexto maior, que logo permitirão o domínio dos componentes básicos da técnica inerente ao jogo esportivo, na sua situação do modelo ideal...
Em síntese, uma aula orientada pelo princípio analítico-sintético caracterizar-se-ia: (a) pelo ensino de uma habilidade (ou fundamento técnico) por etapas até a sua automatização e, por fim, a sua aplicabilidade no jogo em si (FONSECA, 1997), (b) por uma seqüência de exercícios dirigidos ao aprendizado da técnica para, no final da aula, se proceder ao jogo (GRECO, 1998) e (c) pela supressão do jogo e da brincadeira (SANTANA, 2004).
Depreende-se que, se orientada por esse princípio, a aprendizagem do jogo de futsal seria construída pela repetição de exercícios, desvinculada do contexto de jogo. Por extensão, a pedagogia, na iniciação esportiva, tenderia a empregar "(...) muito tempo na técnica e pouco no jogo (GRECO, 2001, p. 54)".

O princípio global-funcional

Ao falarmos de método global, nos referimos ao princípio metodológico global-funcional. Neste, criam-se "[...] cursos de jogos, que partem da simplificação de jogos esportivos de acordo com a idade, e através de um aumento de dificuldades na formação de jogos até o jogo final (DIETRICH, DURRWACHTER e SCHALLER, 1984, p. 13)". A série de jogos (recreativos, grandes jogos, pré-desportivos...), portanto, representa a medida metodológica principal. Esse método (global) tem se mostrado mais consistente quando comparado aos analíticos, pois atende o desejo de jogar dos alunos, conseqüentemente, estes ganham em motivação e o processo ensino-aprendizagem é facilitado (GRECO, 2001).
Na teoria global, alguns autores (REIS, 1994; GRECO, 1998; LÓPEZ, 2002), insistem na importância da figura, da forma, da configuração, da organização da experiência, que está sempre estruturada na idéia do todo indissociável. Nessa concepção, trata-se de perceber os estímulos, não como a soma das partes, mas como um conjunto organizado. O ponto de partida é a equipe, que aprende a jogar através do deixar jogar.

O método global parte da totalidade do movimento e caracteriza-se pelo aprender jogando; parte-se dos jogos pré-desportivos (jogos com algumas alterações nas suas regras) para o jogo formal; utiliza-se, inicialmente, de formas de jogo menos complexas cujas regras vão sendo introduzidas aos poucos (REIS, 1994).
Quando se trata de treinamento moderno, o método globalizado (LÓPEZ, 2002) vem sendo o mais empregado, na medida que interagem aspectos como a criatividade, a imaginação e o pensamento tático dos jogadores. Este autor define três objetivos principais desse método: (a) a constante tomada de decisões dos alunos, desenvolvendo assim sua inteligência tática, permitindo solucionar problemas que ocorrem durante a partida, (b) facilitar a compreensão por parte do jogador, da verdadeira estrutura do jogo com fases defensivas e ofensivas que requerem do jogador posturas diferenciadas e (c) permite, também, que os alunos enfrentem com mais segurança a competição, já que enfrentam a mesma situação em treinamentos.
Greco (1998, p.43) explica que, nesse método, "[...] procura-se em cada jogo ou formas jogadas, pelo menos a 'idéia central do jogo' ou que suas estruturas básicas estejam presentes na metodologia". Note-se que a divisão dos jogos não deve abranger muitas partes, de forma que o aluno consiga alcançar logo o jogo objetivado. Deve-se ter cuidado, também, para que as formas de jogo prévias não sejam mais difíceis que o jogo objetivado (o jogo formal).
Para os que são conservadores em relação ao método global, apoiando-se na idéia de que é preciso adquirir a técnica das diferentes habilidades para depois jogar (crença do princípio analítico), é preciso atentar para o fato de que os alunos não vêm em branco para as aulas. Eles já possuem um repertório rudimentar de habilidades, o que lhes permite jogar e atualizar neste (no jogo) o seu repertório motor (GRAÇA, 1998). Destaca-se, nesse princípio, o fato de que os alunos, ao jogar, são obrigados a tomar decisões. Para tomá-las, deverão considerar fatores, como, por exemplo, o adversário, a sua colocação, a colocação do adversário, o posicionamento dos seus companheiros e o que fazer com e sem posse de bola, ou seja, quem joga interage com os imprevistos que somente o jogo propicia. A possível decorrência disso é tornar-se mais inteligente para jogar. Por conseguinte, as habilidades são desenvolvidas num contexto de jogo de forma aberta (vivenciadas num contexto de imprevisibilidade), projetando uma herança de movimentos e de leitura tática promissora para quem aprende.
Como explicitado, os princípios e métodos de ensino são opostos e têm objetivos distintos. O analítico é centrado na técnica, em exercícios, na repetição dos gestos esportivos e na especialização precoce do aluno em cima de algumas técnicas. O global é centrado na tática, no jogo, cujo ambiente torna-se mais prazeroso, a especialização precoce de algumas habilidades é refutada e o objetivo é desenvolver a inteligência do aprendiz.

Material e método

O método de pesquisa foi observação não-participante. Nesta, o pesquisador toma contato com a comunidade, mas sem integrar-se a ela: permanece de fora, isto é, "[...] presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa envolver pelas situações; faz mais o papel de espectador (MARCONI; LAKATOS, 2003, p.193)".
Na investigação, observaram-se oito aulas de futsal para crianças de sete e oito anos, ministradas por professores de educação física, em quatro escolas especializadas da cidade de Santa Maria (RS). O que se procurou observar foi qual dos dois princípios anteriormente descritos é mais freqüentemente utilizado para se ensinar futsal. Para tanto, foram estabelecidos alguns critérios: (a) se, nas aulas, o professor apresentasse a série de exercícios como medida metodológica principal e, por último, o jogo formal (o jogo de futsal em si), considerar-se-ia o princípio analítico-sintético; (b) se o professor apresentasse a série de jogos como medida metodológica principal e, depois, mas não necessariamente, o jogo formal, o princípio global-funcional seria considerado. O pesquisador, à medida que os professores propuseram as atividades, as anotou em formulário específico.

Resultados e discussão

A tabela seguinte contempla o número da aula observada, a incidência (a quantidade) de atividades motoras ministradas e o princípio metodológico.
Tabela 01: Princípio metodológico utilizado nas aulas observadas Com base nos dados anteriores, evidenciou-se a unanimidade do princípio analítico-sintético presente nas oito aulas das diferentes escolas para se ensinar futsal. As atividades foram baseadas em exercícios, realizados em partes, em etapas, apresentando uma divisão dos gestos, das técnicas, da ação motora em seus mínimos componentes (GRECO, 1998).
Em geral, as aulas contemplaram exercícios de passe, de condução e de chute, realizados de forma individual, em duplas ou em trios. Seguiu-se à série de exercícios, em todas as aulas, o jogo formal, isto é, o jogo de futsal com a formação numérica de 5x5. Num total de 31 atividades propostas pelos professores, 24 delas eram, predominantemente, analíticas, representando 77,19% e a outra parte, menor, referiu-se à aplicação do jogo formal, representado 25,8%. Infere-se que os professores enfatizaram o modelo de ensino centrado na técnica o que, segundo Greco (1998, p. 41), está "[...] orientado ao gesto do campeão".
Relevante que todas as escolas pesquisadas, ainda que pertençam, geograficamente, a locais diferentes, adotaram o mesmo princípio metodológico. O que se perde e o que se ganha com esse tipo de pedagogia? Perde-se cognitivamente, isto é, o aluno é treinado para repetir exercícios e não para resolver problemas; para seguir um modelo e não para criar e se adaptar a novas situações; para executar a habilidade (como fazer), mas não para aplicá-la em situação de jogo, associada ao o que fazer, quando fazer e por que fazer. A possível herança para os alunos, além das anteriormente mencionadas (incapacidade para resolver problemas, dificuldade para criar e se adaptar a novas situações) é a de adquirirem uma boa execução das diferentes técnicas do futsal.

Considerações finais

Ao nosso ver, o que se encontrou nas escolas de futsal pesquisadas foi um tipo de pedagogia que não capacita a criança a resolver os problemas que se apresentam no jogo. A criança que aprende a praticar as habilidades, possivelmente, ficará competente nisso, mas isso não é garantia de que ela possa jogar bem futsal. A idéia analítica de que a soma das partes resultará no todo, isto é, de que se o aluno aprender a passar, a chutar, a conduzir se lhe garantirá jogar bem é, no mínimo, duvidosa. Por quê? Porque o jogo de futsal e os esportes coletivos em geral são muito mais que isso. Jogar futsal exige perceber, antecipar ações (no plano mental) e tomar decisões (GARGANTA, 1998). Escolher corretamente o que fazer dependerá, portanto, de saber escolher e isso demanda uma pedagogia do treino comprometida em propiciar situações nas quais isso seja exigido. Ora, um processo de ensino centrado na repetição de exercícios inibe conflitos e problemas, logo inibe a criatividade e a tomada de decisões.
Em sendo assim, pensamos que o raciocínio do treino (ou da aula) de futsal deve perseguir o viés do jogo. O aluno, no treino, deve confrontar-se com as vicissitudes do jogo (SANTANA, 2002b). Mas, por que jogar? Pelo menos por seis motivos:

1. O jogo desenvolve a inteligência tática;
2. O jogo favorece as trocas sociais;
3. O jogo facilita o desenvolvimento moral;
4. O jogo atende o desejo de jogar da criança;
5. O jogo motiva a criança a aprender;
6. O jogo não exclui a técnica.

Por um lado, não pode passar despercebido do que se observou, o fato de que é precoce ensinar um único tipo de esporte para crianças de sete e oito anos, ainda que, culturalmente, se justifique ensinar futsal no Brasil. Seguramente, crianças nessa faixa etária (considerando-se, evidentemente, as experiências individuais) em geral não se encontram no melhor período para aprender habilidades motoras específicas (MEINEL, 1984), tampouco para aplicá-las num contexto definido (GALLAHUE, 1996) e, muito menos, para se especializar esportivamente (BOMPA, 2002). Logo, a pedagogia observada, em particular por centrar-se na repetição de técnicas, compromete tanto a inteligência tática como o repertório motor das crianças. Estes são, ao nosso ver, os seus maiores equívocos.
Compreendemos que os professores de esporte em geral devem ter conhecimento dos princípios metodológicos a serem aplicados na iniciação esportiva, pois estes têm uma relação estreita com o aprendizado do aluno, com a seleção das atividades motoras a serem propostas, com as diretrizes pedagógicas, com a idéia que se tem da formação do jogador. Como escolher um princípio, perpassa conhecê-lo, procuramos neste artigo, por um lado, clarificar os aportes teóricos de dois princípios antagônicos e, de outro, conhecer, num contexto em particular, a utilização dos mesmos em aulas de futsal para iniciantes.
Esperamos que outros estudos sejam realizados no Brasil a fim de que se possa conhecer, em outros cenários e faixas etárias, como os professores ensinam futsal, um dos esportes mais praticados e queridos pelas crianças brasileiras.

Referências

• BOMPA T.O. Treinamento Total para Jovens Campeões. São Paulo: Manole, 2002.
• DIETRICH, K, DÜRRWÄCHTER, G, SCHALLER, H. Os grandes jogos: metodologia e prática. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1984.
• FONSECA, G.M. Futsal: metodologia do ensino. Caxias do Sul: EDUCS, 1997.
• FREIRE, J.B. Pedagogia do futebol. Campinas, Autores Associados, 2003.
• GALLAHUE D. L. Developmental Physical Education for Today's Children. Dubuque: Brown&Benchmark, 1996.
• GARGANTA J. Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos.In: GRAÇA A, OLIVEIRA, J. O ensino dos jogos desportivos. 3a ed. Santa Maria da Feira: FCDEF-UP, 1998. p.11-25.
• GRAÇA, A. Os comos e os quandos no ensino dos jogos desportivos coletivos. In: GRAÇA A, OLIVEIRA, J. O ensino dos jogos desportivos. 3a ed. Santa Maria da Feira: FCDEF-UP, 1998, p.27-34.
• GRECO, P.J. Iniciação esportiva universal 2: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
• GRECO, P.J. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: GARCIA, E.S; LEMOS, K.L.M. Temas atuais VI - Educação física e esportes. Belo Horizonte: Health, 2001. cap.3, p. 48-72
• LÓPEZ, J.L. Fútbol: 1380 juegos globales para el entrenamiento de la técnica. Sevilla: Wanceulen, 2002.
• MARCONI M.A, LAKATOS E.M. Fundamentos de metodologia científica. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2003.
• MEINEL K. Motricidade II - O desenvolvimento motor do ser humano. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984.
• REIS, Heloisa Helena Baldy dos. O ensino dos jogos esportivizados na escola. 1994. Dissertação (Mestrado em Educação Física) UFSM, Santa Maria.
• SANTANA, W.C. Heresia. 2004. Seção Editorial. Disponível em http://www.pedagogiadofutsal.com.br/editorial_006.php Acesso em 04 jul. 2004.
• SANTANA, W.C. Futsal ou futebol de salão? Uma breve resenha histórica. 2002a. Seção Apontamentos. Disponível em < http://www.pedagogiadofutsal.com.br/texto_015.php Acesso em 04 jul. 2004.
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• VOSER, R.C, GIUSTI, J.G. O futsal e a escola: uma perspectiva pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002